Lições aprendidas

João Lourenço
7 min readNov 8, 2015

Esse relato já é antigo de 2013. Naquela época eu e dois colegas estávamos fazendo algumas tarefas em Sapucaia do Sul. Na filial ao lado da BR-116, bem no desvio que existia para construção de um viaduto.

Então, um dos colegas começou a falar, de brincadeira, das lições aprendidas do projeto, tipo:

-Aprendi com o projeto que, ao acessar a BR-116 é impossível não cantar os pneus do carro.

-Aprendi com o projeto que não existem bons restaurantes em Sapucaia.

A partir dessa brincadeira desfiamos mais alguns aprendizados nonsenses.

Também nessa época li o livro, “Todos os reis estão nus”, do psicanalista e também colunista da Folha de SP, Contardo Calligaris. Ele é, na minha opinião, um dos grandes pensadores atuais e sabe se expressar muito bem, dentro do limite que os assuntos que aborda permitem.

Faço aqui uma listinha de lições aprendidas com o livro, que é uma coletânea das sua publicações no jornal. Não adianta tentar falar sobre os assuntos de determinado texto, pois estão muito bem escritos e são mais de 120. Leitura fácil, pois cada coluna tem duas páginas.

Já na introdução é exposto que o objetivo não é colocar uma opinião.

–Meu objetivo é eventualmente mudar a maneira de ver e de pensar do leitor, sem necessariamente fazê-lo concordar comigo, diz o autor.

Na verdade ele coloca diversas pulgas atrás das orelhas e minhocas na cabeça. Se você acha que tem uma mente aberta, é um ótimo exercício para ver se tem mesmo, pois ele mexe nas crenças mais básicas. E não é só contra ou a favor do que nós pensamos ser um pensamento liberal. Algumas vezes só dá para concluir que não há saída para uma sinuca de bico e as alternativas são:

-Dar uma porrada com o taco e rasgar o pano da mesa;

-Tentar uma jogada milagrosa mesmo sabendo que não vai dar certo, ou;

-Desistir do jogo.

Ele cita alternativas sem a menor intenção de dizer o que é certo ou errado, mas coloca as motivações que levam a elas. Como dizem os psicanalistas, a função deles é levar as pessoas até a beira do rio, a decisão de atravessá-lo é do indivíduo.

Mas vamos as minhas lições aprendidas.

-Aprendi com o livro que,

Quando queremos apedrejar uma ideia, um conceito, na verdade estamos apedrejando algo que temos dentro de nós e não queremos admitir. Estamos apedrejando aquilo que não gostamos ou não aceitamos em nós.

-Aprendi com o livro que,

O mundo atual sucumbiu a infantilização e projetamos isso em nossas crianças. Assim como queremos acreditar que toda pessoa é boa na essência, em uma visão presente, queremos acreditar nas crianças como um ser perfeito no futuro, ou no caso de filhos, em uma projeção de um “eu” melhor no futuro. Acho que aqui estão as pulgas mais carnívoras, que ele coloca nas orelhas, nos diversos textos que ele aborda o assunto direta ou indiretamente. Apesar de colocar explicitamente, nas entre linhas, são assuntos compactados em duas páginas e poderiam ser expandidos em livros inteiros.

-Aprendi com o livro que,

Ainda tenho um pouco de anarquista.

Nos anos 80 eu me dizia anarquista, pois achava cool, não votava em ninguém e citava Bakunin e teorias ideológicas (todas muito chatas). Também simpatizava com o anarquismo, principalmente com seu símbolo de um “A” circundado e atravessado ao meio, por gostar de música punk e seu faça você mesmo. Mas tirando poucas bandas, como o Sex Pistols, a maioria das bandas punk, na verdade, eram de esquerda, com suas crenças no bom selvagem e tabula rasa, ou seja, o seu lema não era o “no future” e sim vamos mudar o futuro. Isso não é uma crítica é apenas uma constatação, e nesse meio também tinham uns caras de direita.

Estava num dilema, sobre se era de esquerda ou de direita, porém não me encaixava em nenhum dos lados e me sentia espremido no meio. Agora, lendo a definição de anarquismo do Calligaris, na verdade não existe uma definição do autor e sim as suas considerações e observações sobre o anarquismo, (ele já militou na esquerda), e sobre fascismo. Penso igual a ele;

-O estado não tem o direito de interferir nos direitos individuais.

Se o estado se torna paternalista ele vira uma família; se vira família tudo vira passional; se vira passional o racional vai para o beleléu, e tudo vira em raivas, rancores, encobertamentos e recai em governos populistas ou ditatoriais, sejam de esquerda ou de direita. Talvez, nos lados opostos, só mudem os estilos de castigos, uns mais físicos outros mais psicológicos, mas existem castigos dos dois tipos e dos dois lados.

-Aprendi com o livro que,

Livros de auto ajuda estão certos.

“Siga seu coração”.

Mas primeiro descubra o que seu coração quer. Um dos pontos que ele mais fala é o fato de buscar seguir e realizar seus desejos, mas o ponto mais difícil é descobrir o que desejamos. A resposta não é simples e muitas vezes não a encontramos.

É muito engraçado quando ele diz que a felicidade plena existe, só que custa bastante dinheiro e alguns anos de vida. A receita é a seguinte, duas doses de heroína, uma de manhã e outra a tardinha ou então fumar crack este custa mais anos de vida.

Também é engraçado quando ele fala sobre viver tudo intensamente e que ele quer uma morte tradicional, com visitas e tudo o mais, afinal, só morremos uma vez na vida. Sendo que, ele teve diagnóstico de câncer dos brabos, abriram o peito dele e não tinha nada.

-Aprendi com o livro que,

A sabedorias está nos clássicos.

Durante quase todo o livro as citações são culturais, mesmo porque, existem muitas analises a partir de livros, filmes ou peças. Os mais mencionados são Shakespeare como autor e madame Bovary e Anna Karenina, como personagens, símbolos muito citado dos desejos femininos.

-Aprendi com o livro que,

As escolhas não são excludentes. Para ter um mundo mais justo ou mais igual, não é necessário aceitar a falta de liberdade ou a corrupção. E isso está muito arreigado aos governos populistas e ditatoriais, pelo menos eles querem vender assim.

A “polarização”, este assunto não é abordado diretamente, mas vejo que se encaixa no meu aprendizado e agora é mais claro quanto a argumentação. Ser contra algo não é ser a favor de seu oposto, ainda mais quando se tratam de posições extremas, afinal os extremos são muito parecidos.

-Aprendi com o livro que,

A mulher é mais diversificada. Exemplo básico são formações de grupos, as torcidas, partidos e outras agremiações em grande maioria são masculinas, pois os homens são mais básicos, mais classificáveis por isso se juntam em grandes grupos tão facilmente, já as mulheres são mais facetadas e talvez por isso mais sociáveis.

-Aprendi com o livro que,

Vivemos em função de desejos e a maioria das vezes não sabemos quais são, já falei disso antes, e inconscientemente boicotamos a nós mesmos e precisamos desculpas para isso, por isso alguns casam para depois poderem culpar o parceiro(a) por ter impossibilitado realizar seus desejos, pura desculpa.

-Aprendi com o livro que,

Hoje em dia poucos se assume como adultos, dentro da infantilização está a falta de coragem de assumir as rédeas de sua vida. Mesmo se auto sustentando não significa assumir o controle.

A pior traição é trair os próprios desejos e também não permitir que o parceiro(a) realize os seus, aqui não é sobre sexo, mas também é.

E esta dica final do Calligaris está no programa Provocações, do Abujamra, da TV Cultura.

Não se esqueça de fazer as coisas pelas quais, se você não as fizer, você vai sentir culpa pelo resto da vida.

Originally published at www.tekeasy.blogspot.com.br on November 8, 2015.

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